Finalmente aquele maldito violão parou de tocar. Foi a cena final do aclamado, odiado, politizado e deslacrado The Last of Us part 2, sim, a continuação daquele jogo de 2013 que colocava um velho barbudo casca grossa no caminho de uma adolescente que não havia pedido para ter nascido tão especial e que seria um caminho bem comum se não estivéssemos falando do fim do mundo pelas mãos de um fungo parasita mutante.
Aí você imagina o quão casca grossa alguém tem que ser pra conseguir se virar num lugar assim: todo mundo quer seu couro, os que não querem seu couro querem outras coisas, como as tripas, fígado, baço… qualquer coisa mastigável que possa ser arrancada do seu corpo sem o seu consentimento.
Sim, o tal do Joel é esse tipo de casca grossa, e ele faz cabeças rolarem. Que aberração nenhuma pense em morder esse cara, é perigoso! Pior ainda se alguém tentar encostar um dedo (ou um bisturi) na sua filha postiça: qualquer coisa andante em um raio de uns 2 quilômetros estará correndo risco de vida, ou melhor, de uma morte bem grotesca e impiedosa.
E pensa que não? A gente adora esse cara! Joel é o típico anti herói que qualquer jogador se identifica logo de cara, que ganha nosso respeito e que faz por merecer ter seu nome escrito na lista dos maiores casca grossas da história junto de caras como Jack Bauer, Jason Bourne, John McClaine, John Wick… Tudo nome com J. Percebeu como essa lista é especial? Ter o nome iniciando com J é pré requisito pra ser casca grossa!
Claro que por convivência, a garotinha também acaba absorvendo um pouco da casca grossisse de seu protetor: Ellie aos poucos vai deixando de ser aquela adolescente tipicamente frágil para se tornar uma legítima parceira de matanças. Se eu conhecesse os dois pessoalmente, os chamaria de Cascudo e Casquinha.
Que dupla! Uma das melhores já criadas na história, para um dos melhores jogos já criados na história, ovacionado por crítica e público.
The Last of Us é o tipo de obra que, só por existir, já começa a acumular hype para a continuação. Todo mundo quer jogar, todo mundo quer se deliciar, todo mundo está desesperado pra falar bem, desesperado pra comprar na pré venda… é, esse último item eu me identifico… Sou fã dessa franquia, fazer o quê? Garanti a minha cópia de The Last of Us part 2 na pré venda assim que disponibilizou, e há poucas horas, cheguei ao final da aventura que, por sinal, demorou tanto pra acabar que eu até tô me sentindo mais velho…
Ok, estou exagerando, mas é pra combinar com o jogo, pois ele é cheio de exageros! Calma, péra lá, eu não levanto a bandeira de que tudo em exagero é ruim. Nada disso, eu adoraria que as pessoas me dissessem “nossa, que exagero esse monte de dinheiro na sua conta!” e isso se aplica ao game em questão: gráficos, jogabilidade, complexidade técnica, sequências de ação, a brutalidade das eliminações, é tudo um exagero de qualidade nos mínimos detalhes. A coisa realmente deslumbra, faz valer a grana pesada que a gente desembolsou na maior pré venda que já se viu para um jogo eletrônico. Você vai passar por locais que irão esfregar na sua cara que ainda não está na hora de termos uma nova geração de consoles, você fará coisas que tecnicamente não se acreditava serem possíveis no PS4 até que alguém foi lá e fez, é o tipo de obra que mostra que essa laranja preta ainda tem muito suco pra espremer!
Mas e o Joel? E a Ellie? Cascudo e Casquinha??
Bom, é aí que a gente espreme a laranja do lado errado e sai um caroço, e é aqui também que eu coloco aquele aviso enorme de…
SPOILERS A FRENTE!! Esta parte conta trechos da história de The Last of Us part 2. Se você ainda não jogou leia por sua conta e risco ok?
Algo acontece com The last of Us part 2 que é no mínimo curioso… O número de pessoas que estão odiando o jogo é alto pra caramba, um número realmente surreal e que vai totalmente ao contrário da opinião crítica que, convenhamos, muitas vezes se supera na vomitação de arco-íris. Foi um mundaréu de gente correndo pra internet com a foice na mão três horinhas depois de iniciarem o jogo. Logo começaram a dizer que essa movimentação toda se resumia a puro e simples preconceito com a obra, que acrescentou na sua receita algumas pitadas a mais de temas, digamos, pouco ortodoxos. Mas aí o pessoal jogou, terminou e continuou malhando o game agora com tridentes e até algumas tochas, e o principal alvo continuava sendo o mesmo: a história.
Não, verdadeiramente a história do jogo não é um desastre, e longe de mim querer ser o especialista sobre como continuar bem uma trama, mas algumas coisas eu aprendi com aquele tal de Game of Thrones. Uma delas foi “matar personagens principais nem sempre é uma boa ideia”, ainda mais quando este personagem tem toda uma construção vinda de um primeiro aparecimento simplesmente épico e todo mundo espera poder continuar as suas façanhas em uma nova história tão boa quanto a anterior. Não, aqui não temos isso, e este é o verdadeiro motivo de tanto ódio.
A Naughty Dog resolveu ousar demais, chocar demais, e como um belo exemplo de exagero negativo, posso dizer que ela foi longe demais: logo no início do jogo, dentro daquelas três horinhas que fizeram a galera enfurecer, Joel Casca Grossa é sumariamente retirado para sempre dos anais da existência da franquia The Last of Us.
Mas péra lá, como assim? Não vai mais ter a dupla do primeiro jogo em ação?? Não, caro padawan. Pra valer, não. Só uns poucos e curtos flashbacks e mais nada. No geral, você foi privado de descer a lenha nas monstruosidades usando o seu espancador mercenário favorito, e isso acontece de maneira grotesca, vergonhosa e revoltante.
E haja revolta nisso! Se o objetivo era causar indignação, fizeram bem demais.
Eu mesmo, na hora, me deparei com uma confusão de sentimentos. Coloquei o controle de lado, atônito, assisti a cena até o final, depois fiquei olhando para a TV ainda sem me mover. Devo ter ficado uns bons 3 ou 4 minutos ali digerindo o que eu acabara de assistir, e a única coisa que passava pela minha cabeça era: como ousam? E passado o baque, falei para mim mesmo: e agora??
Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas… Não sou o tipo de jogador que abre a mente para qualquer motivo ou decisão que um jogo tente me fazer engolir, então a minha reação natural é exigir respostas plausíveis, algo que me convença de que aquilo que o roteiro me propôs fazia algum sentido, e infelizmente, The Last of Us part 2 não trás isso.
A partir de então, somos apresentados a uma trama que nos mostra um mundo regido pela vingança, onde contaminação e contaminados deixaram de ser os ingredientes principais e a imunidade da protagonista clássica praticamente não importa mais. A parceria agora é sempre com personagens secundários de pouca ou nenhuma importância, gente que eu não ligava a mínima se iriam viver até o fim ou não, e com o decorrer da trama, fica fácil perceber que Ellie estava se tornando uma pessoa cega e egoísta, que não se preocupa com mais nada que não seja o paradeiro da Abby, a moçoila que… Ahh Abby… Ironicamente, como o jogo melhora depois que começamos a jogar com você. Sim, foi ela quem mandou Joel pro limbo, e agora temos que jogar com ela por que os produtores irão tentar me convencer de que eu não devo sentir falta do mercenário. Má notícia, não conseguiram! Mas o jogo com Abby é surpreendentemente mais polido, mais variado e mais movimentado. O jogo enquanto controlamos Ellie é uma experiência técnica maravilhosa, mas arrastada, lenta e por vezes repetitiva, culpa única e exclusiva do roteiro. No comando da Abby, o game parece mais curto por ser menos repetitivo, o level design dos locais por onde passamos é um espetáculo e a narrativa ganha aquele ar de Resident Evil, do perigo espreitando na escuridão, até um chefão grotescamente assustador a gente enfrenta naquela que é, sem dúvida, a melhor parte do jogo! Ela é uma boa garota, tem seus motivos pessoais para se vingar de Joel, mas só ela. O ódio generalizado pelo mercenário que o roteiro tenta implantar me fez torcer o nariz e não é difícil entender os meus motivos: atualmente não vivo em um mundo pós apocalíptico, os melhores cientistas e infectologistas do mundo, suas equipes, seus equipamentos e verbas bilionárias estão todos aqui e já estamos a 4 meses vivendo enclausurados por medo de um vírus de gripe que ainda não tem uma vacina. O que levaria alguém a acreditar que um único cientista conseguiria, a partir de 3 chapa da cabeça e um exame de sangue, criar uma cura para um esporo que faz crescer um fungo no teu cérebro que te domina e cresce até tua fuça explodir para te transformar num monstro?
É a diferença entre realidade e ficção: na ficção a gente tem que acreditar no improvável e no fantástico, e quanto mais os jogos tentam se aproximar da realidade, mais plausíveis precisam ser as explicações, e o jogo se perdeu nisso. Joel não acreditou nessa possibilidade por que não passava disso mesmo: de uma possibilidade, algo que não se podia medir a chance de sucesso, e na dúvida, ela vive, vocês morrem. E mesmo que tudo estivesse provado que era só abrir o cérebro da Ellie que a cura milagrosa seria uma certeza, ele não permitiria que ela morresse, EU NÃO PERMITIRIA, E VOCÊ NÃO PERMITIRIA. Este era Joel, este era o cara que a Naughty Dog descartou, e que não merecia esse fim.
Abby poderia ter sido introduzida de outra maneira, poderia até mesmo matar Joel por vingança em um final épico, emocionante e convincente, mas o que acontece está mais pra um roteiro que não sabe quando parar, que vai estragando cada vez mais a personalidade da Ellie ao mesmo tempo que não consegue construir uma relação sólida do jogador com a Abby, que vai inventando mais e mais locais, facções e inimigos em prol de um desfecho que já deveria ter acontecido e que quando finalmente acaba, deixa a gente tão esgotado quanto as duas protagonistas ali, caídas na praia, quase sem conseguirem se levantar pra não se afogarem na água rasa.
Não duvido que para muitas pessoas, este tenha sido um final sensacional e que o jogo inteiro em si, também não o tenha sido. Já eu? Eu senti que o jogo terminou lá atrás, quando as duas tiveram seu embate no teatro, e que a trama não ajudou um game tecnicamente perfeito, a ser perfeito por inteiro.
The Last of Us part 2 tem seus dois lados. Um é magnífico pra todo mundo sem exceção, o outro, depende da percepção de cada um, e na minha, a franquia não tem mais nem para onde continuar: não sobrou nenhum Joel para isso. Só Ellies e Abbys.
Fim
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)
Isso porque vc não falou dos momentos extremamente forçados do jogo, quando depois de matar 34843-89208-239023 mulheres, a Ellie fica mal porquematou uma GRÁVIDA? Ah vá a merda. Quem garante que alguma das outras 578933759373949 de mulheres que a Ellie matou não estava grávida também? Só porque não tinha bucho apaente? ou mostrando um flashback da Abby Camargo brincando com um cachorrinho que a Ellie matara minutos antes. Isso é pra fazer você se sentir mal? Meio forçado, já que a essa altura do campeonato você já matou cachorros de diversas maneiras, incluindo doggos assados na base do coquetel molotov.
E o final do jogo não faz lá muito sentido.Quer dizer, digamos que você seja um cínico e tenha aceitado que a Ellie agora vai se vingar pelo Joel e fazer Shish Kebab de quem estiver no caminho. Pra chegar no final, ela, quando tem a vantagem na luta contra a Abby Camargo, simplesmente… Abandonar a vingança? Nem isso a Naughty Dog vai dar aos jogadores?
Também quero comentar da hipocrisia da Sony ao deixar aquela cena de sexo lá da Abby Camargo intacta (pra mostrar que é um jogo adulto, CARA, TEMOS CENAS DE SEXO, CARA), mas qualquer jogo japonês que tenha pele mostrando e meninas estilo anime, já manda censurar, mesmo sendo jogos que não tem nada demais.
Como eu já não gostei muito da jogabilidade de TLOU 1, TLOU 2 é um jogo que não vou passar perto tão cedo.
(spoilers no comentário)
É, velho, você sabe que “joguei” TLOU2 pelo Youtube… e minha opinião é bem parecida com a sua. Muito impressionante e ok, mensagenzinha sobre a vingança destruindo as pessoas e tal, mas… sei lá, acho que nem sempre vale a pena sacrificar personagens bons por uma história. E eu digo “personagens” porque acho que sacrificaram a Ellie também, arruinaram a menina.
Você passa horas jogando com uma garota violentíssima que mata uma cacetada de gente das maneiras mais terríveis, aí depois tem que jogar com a menina que matou o Joel com um taco de golfe. Qual é o lance de botar o jogador para passar horas controlando personagens tão detestáveis?
Ah, é a mensagem? “Não existem heróis na violência, a vingança destrói as pessoas”? Ok, a mensagem tá aí, bacana, mas isso eu prefiro ver em filmes, que duram umas duas horas (e francamente, fazem isso muito melhor). Ficar mais de 20 horas jogando com personagens pelos quais você tem empatia zero só para curtir uma trama épica sobre vingança… Nada contra quem curte, de maneira alguma, mas a minha “balança gamer” pende mais para o lado do prazer do que para o lado filosófico/artístico/whatever/psico-sei-lá-o-quê.
Só para constar: lindo jogo, um espetáculo. Tremendamente bem feito. Adorei assistir no Youtube. E sim, tá aí a deixa para todo mundo dizer (com razão) que eu sequer joguei o jogo então não deveria estar aqui fazendo textão ^_^
Concordo plenamente com a review.
Cara, apesar de ter uma baita noção de alguns eventos do jogo, só li até a parte sem spoiler pois pretendo conferir o game no futuro. Mas deduzo que você não gostou tanto. Finalmente alguma opinião destoante. Agora que frequento mais o Twitter com muitos “influencers”, vejo como é forte a cultura do “hype”. Quando os games são lançados, parece que essa galera só manda “melhor game da história”, “experiência nunca vivida nos games” e etc. Tudo num hype pro público adquirir o game. Aí daqui alguns meses, baixa a poeira, fica a sensação geral da comunidade de que não é tão incrível assim (ainda que muitas vezes, um ótimo game). Percebi isso com o tal “Death Stranding fuck Kojima”, obra de arte maravilhosa e blá blá blá no lançamento. Hoje a galera já fala de um monte de problema do game. Enfim, provavelmente a minha reflexão é “chover no molhado”, mas deixo de registro, já que do game não posso falar pois não joguei . Abraço!